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André
Diniz possui graduação em história pela
Universidade Federal Fluminense (1996) e mestrado em Memória
Social e Documento pela universidade do Rio de Janeiro (2000).
Professor com experiência no ensino médio e universitário.
É autor de livros sobre a música popular brasileira
para jovens e adultos. Contribui com a literatura musical
em revistas e projetos culturais. Foi subsecretário
e Secretário de Cultura da cidade de Niterói
no Estado do Rio de Janeiro (www.dicionariompb.com.br).
Um dos seus próximos livros, “A República
Cantada: do abre-alas a Lula de Deodoro ao Funk”, sai
em junho pela Jorge Zahar Editor. Atualmente é vereador
da cidade de Niterói, pelo partido dos Trabalhadores. |
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(Re)lendo Fitzgerald
O escritor italiano Ítalo Calvino diz que “os
clássicos são aqueles livros dos quais se ouve dizer
‘estou relendo...’ nunca ‘estou lendo...’.
Esse era meu pensamento quando alcancei a biblioteca procurando
um livro de contos. Quando estou com muito trabalho prefiro ler
contos com a doce ilusão de que vai sobrar mais tempo para
as pesquisas e as minhas próprias escrevinhações.
Peguei “Seis contos de jazz”, do escritor americano
F. Scott Fitzgerald. Logo depois do primeiro conto, senti que minha
teoria do tempo caminhava pelo ralo. Fui até de manhã
lendo-o como um romance!
Simplesmente
não conseguia largar a narrativa cativante e inteligente
de Fitzgerald. Lembro pouco da primeira vez que tive acesso àqueles
textos. Devia ter uns 20 anos, ou seja, há duas décadas.
Assim como uma pessoa não entra no mesmo rio duas vezes,
porque ambos mudam com o tempo, naturalmente o olhar sobre a literatura
de Fitzgerald hoje é outro completamente diferente.
O escritor F. Scott Fitzgerald é o principal representante
da geração de 1920 das letras americanas. Escrevendo
no entre Guerras, viveu em um tempo que parecia levar a burguesia
ao paraíso. Tempo de opulência do capitalismo que em
breve sofreria o colapso econômico com a quebra da Bolsa de
Nova York e o fim de um mundo encantado com o início da Segunda
Guerra Mundial.
Mas enquanto isso não acontecia, a geração
de Fitzgerald, conhecida nas letras como perdida, curtia as festas
regadas a bebidas, muitas bebidas o que muitas vezes acarretava
um significativo rombo financeiro. Ele mesmo, de família
humilde, escrevia enlouquecidamente: romances, contos, peça
de teatro, roteiros para cinema... Havia a necessidade inadiável
de criar e também a de pagar sua vida perdulária.
Era uma geração que estava convencida de que tudo
era permitido, de que não havia nada que não se pudesse
ou não se devesse fazer. Viviam como se cada dia fosse o
último. As mulheres, antes reprimidas e criadas apenas para
cuidar do lar, cortavam o cabelo curtinho, fumavam, vagavam pela
noite, recitavam poesias, namoravam com tal liberdade que aterrorizavam
seus pais. Zelda Sayre, mulher de Fitzgerald, era uma dessas que
desafiavam os padrões femininos tradicionais.
Este lado do paraíso, primeiro livro do escritor, transformou-o
em referência da juventude flamejante da época. Virou
uma bíblia e o próprio autor desempenhava à
risca no seu cotidiano o mundo retratado na narrativa. A lei seca
fez com que os americanos bebessem como nunca. A indústria
da comunicação, rádio-cinema-disco, prosperava
a passos largos. O ritmo do charleston fazia a burguesia e a classe
média consumista dançarem freneticamente.
Em 1925, Fitzgerald lançou sua obra-prima, O grande Gatsby,
mas antes disso escreveu os textos reunidos no livro “Seis
contos da Era do Jazz”. Esse período, entre 1920 e
24, foi o momento de consolidação da sua maturidade
intelectual, aos quase trinta anos de idade. Os contos representam
o que há de melhor na literatura sobre o gênero, tendo
como trilha sonora a consolidação do jazz no coração
da sociedade americana.
Levando sempre em conta que arte é gosto, para citar o velho
crítico marxista Gorg Lukács, o conto “O
curioso caso de Benjamin Button”, é o que
mais me impressiona. A história de um personagem que nasce
velho e, com o passar dos anos vai ficando novo, é genial.
Para além do equilíbrio e da justeza de expressão,
características do autor, o conto é um primor na crítica
a uma sociedade da produção, da aparência, da
competição, que de forma pouco democrática
alija todos aqueles que não se enquadram nos seus padrões
de consumo: crianças, velhos, feios, deficientes...Um texto
que passados mais de oitenta anos, parece que foi escrito ontem.
Leia F. Scott Fitzgerald, ou melhor, releia, mesmo se nunca tiver
lido antes.
O que ver?
Email do colunista: andrediniz01@uol.com.br

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llah-la-ô!
(05/03/2010)
Muitos foliões que brincaram o carnaval de rua, nas suas
fantasias ornadas ou etílicas sentiram na pele que esse foi
um dos mais quentes das últimas décadas. Não
falo apenas do calor dos povoados blocos, dos beijos amassados,
dos saracoteios, falo sim do calor escaldante que dava uma sensação
térmica de cinqüenta graus. Ora bolas é impossível
não lembrar nesses três (quatro, cinco, seis, sei lá
quantos...) dias dantescos de um estrondoso sucesso do carnaval
de 1941, a marchinha “Allah-la-ô.”
No Rio de outrora, o povo sofria mais com a falta de abastecimento
de água do que com os modernos apagões – geralmente
motivados pela incapacidade das operadoras (privatizadas, diga-se
de passagem) de lidarem com o aumento da demanda de energia. No
dias de hoje, qual é o ser humano que, depois de horas a
fio em um bloco, não quer chegar em casa e abraçar
o seu ar-condicionado como um ente querido ? O único problema
era contar com a sorte de ter luz...
Pois bem, como não iria sair dos blocos para curtir um ar-condicionado,
passei o carnaval lembrando, cantando, ouvindo a marchinha de Haroldo
Lobo e Nássara. Quantas vezes, no meio da multidão,
desejei ser o “ioiô” para receber a “água”
quando ela era festejada. E que calor!, meu bom Allah, calor de
dar inveja ao Deserto do Saara:
Allah-lá-ô, ô ô ô ô ô
ô
Mas que calor, ô ô ô ô ô
ô
Atravessamos o deserto do Saara
O sol estava quente
Queimou a nossa cara
Viemos do Egito
E muitas vezes
Nós tivemos que rezar
Allah! allah! allah, meu bom allah!
Mande água pra ioiô
Mande água pra iaiá
Allah! meu bom allah
Haroldo Lobo (1910-1965) e Nássara (1910-1996)
se estivessem vivos completariam cem anos. Dois personagens importantes
na cultura brasileira, dois típicos cariocas que ajudaram
na construção da música popular brasileira.
Nássara além de compositor (“Periquitinho verde”,
com Sá Róris, “Balzaqueana” e “Mundo
de Zinco”, com Wilson Batista) era jornalista e cartunista.
Seus traços precisos e simples fizeram época, caricaturando
cenas da vida política e musical do país. A imagem
que fez do amigo Noel Rosa virou um das charges mais associadas
ao poeta da Vila-Isabel.
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Nássara foi o pioneiro da propaganda comercial
na radiofonia. Vale a pena lembrar que o rádio durante muito
tempo era mantido por associados e colaboradores. O profissionalismo
começou a ganhar corpo no meio quando a música popular
virou um produto rentável com seus artistas famosos. Que
empresa não queria associar o seu nome ao Programa do Casé
e do César de Alencar, aos cantores Francisco Alves e Mário
Reis, à cantora Carmen Miranda? Foi mesmo para o Programa
do Casé, na Radio Philips, em 1932, que Nássara fez
o primeiro jingle da história.
Como trabalhava de Speaker (locutor) do programa, pouco antes de
ir ao ar escreveu um texto ressaltando os patrocinadores do programa.
Em um deles formou a hilária frase: "Dei um automóvel
Cadillac a ela: não fez efeito; um apartamento dos maiores
do Rio: também não fez efeito; no entanto, com duas
pílulas de Manon purgativo, o efeito foi rápido e
surpreendente". Casé adorou a criatividade do texto
e pediu que Nássara fizesse um jingle para a padaria Bragança.
O portuga Albino, dono do estabelecimento, ficou louco com a popularidade
do fado e com o progressivo aumento de suas vendas. Fechou um contrato
de um ano com o Casé. O primeiro, nesse porte, da história.
Se a marchinha é uma crônica jocosa da cidade do Rio
de Janeiro, com seus personagens, fatos cotidianos, conflitos políticos,
amorosos, incidentes inusitados, Haroldo Lobo pode figurar tranquilamente
entre os três maiores compositores do gênero.
Na composição “Oito em Pé” (com
Milton de Oliveira), Haroldo brincava com a permissão da
Prefeitura de deixar que os bondes levassem oito pessoas em pé,
devido a racionalização da gasolina. Com Marino Pinto,
compôs “Retrato do Velho”, gravada por Francisco
Alves em 1951. A letra da marchinha comentava a obrigatoriedade,
imposta pelo Estado Novo, de colocar nas paredes das repartições
públicas o retrato do Presidente. Era, claramente, uma homenagem
à volta de Getúlio Vargas ao governo: “Bota
o retrato do velho outra vez/bota no mesmo lugar/O sorriso do velhinho
faz a gente trabalhar...”. O “velho” foi eleito
presidente em 1950, quatro anos antes do mais dramático suicídio
da vida pública brasileira.
Haroldo não viveu o suficiente para saber que seu último
sucesso teve carreira internacional. A música “Tristeza”,
feita em parceria com Niltinho, foi gravada por Jair Rodrigues,
em 1966. E por pura e infeliz coincidência, no exato no momento
em que escrevo, chega a triste notícia da morte do compositor
Walter Alfaiate, amigo de Haroldo Lobo. Sambista do bairro de Botafogo,
e apaixonado pelo clube alvinegro, Walter viu “Tristeza”
surgir e ficar famosa entre os foliões. Em quase toda apresentação
que fazia incluía “Tristeza” em seu repertório.
Lembro-me que o último programa que fiz na TVE, ao lado de
Walter, em 2009, ele cantou a música de Haroldo com os olhos
mareados.
No ano do centenário de Nássara e Haroldo Lobo foi
embora um carioca charmoso – “o magnata supremo da elegância”
- de sorriso fácil, que não cansava de defender o
seu bairro: “Quem resolveu chamar um cantinho de Botafogo
de Humaitá?”
É tristeza, por favor, vá embora... |
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Depois do Carnaval (20/02/2010)
Alberto chegou em casa cedo. Poucas vezes conseguia
sair do trabalho às 18 horas. Veio pelo caminho pensando
como iria se organizar para o carnaval de 2010. Suas fantasias estavam
prontas. Uma para cada dia.
Entrou
no quarto e Maria estava no banho. Aproveitou a rara oportunidade
do silêncio para separar as fantasias por bloco. No sábado
de carnaval, pela manhã, estaria vestido de meio fraque no
cordão do Bola Preta. Era a abertura do carnaval. Tinha que
estará impecável como aquela noiva que na véspera
do casamento faz a última vistoria para ver se está
tudo em ordem. Nada podia dar errado.
Viu que sua gravata borboleta estava meio torta. Enquanto endireitava
a gravata do fraque branco com bermudão preto, passou a lembrar
dos carnavais passados. Daquelas brincadeiras que seus avós
faziam no mesmo bloco em que iria pular seu trigésimo carnaval.
O Bola Preta fora fundado em 1918. Ano difícil pelo mundo.
A Europa colhia os destroços da Primeira Guerra Mundial.
A Rússia em Guerra Civil ocupava os noticiários com
seu exército vermelho. A gripe espanhola dizimava vidas como
um sopro de vento derruba as folhas secas das árvores.
Mas nada disso passava pela cabeça de Alberto, envolto com
as alegrias, as brincadeiras, as cantorias e bebedeiras que os dias
de momo podem propiciar. Imagine se ele iria se preocupar com essas
coisas do mundo... Não importava muito em seu espírito
momesco que os luxuosos ranchos no Rio de Janeiro, tenham sido criados
ao final do século XIX por descendentes de escravos. Foi
o migrante nordestino Hilário Jovino que deslocou os desfiles
dos ranchos do período natalino para os dias de carnaval.
Foram filhos de negros, marcados pela brutal escravidão de
trezentos anos, que alicerçaram o modernoso carnaval das
escolas. Assim nasceu o carnaval que Alberto se preparava para pular.
Esses negros empobrecidos também deram o principal tempero
da festa, seu ritmo, o samba batucado, com instrumentos de percussão,
aquele dos morros há tão pouco tempo ocupados, marcado
pela exclusão social de toda uma dinastia de negros. Mas,
suas mazelas não os silenciaram, pelo contrário, cantaram
e cantaram alto um mundo de Zinco que faria imenso sucesso nos Anos
de Ouro do Rádio. Quando Noel Rosa, dois anos depois do surgimento
da primeira escola de samba, a Deixa Falar, em 1928, resolveu perguntar
a um Brasil que desmoronava economicamente com a quebra da bolsa
de Nova Iorque, “Com que Roupa?, Com que roupa que vou/ao
samba que você me convidou?...”, as escolas de samba
já faziam parte da vida musical do carioca.
Alberto continuava mexendo em suas roupas de carnaval, agora pensando
apenas nelas. E Maria no seu delicioso banho. Ela também
tinha fantasias luxuosas e bonitas para os blocos de rua e para
sua escola de coração, a Mangueira. Prestação
do carro, do apartamento, do colégio das crianças,
da viagem que fizeram com a família no meio do ano, estava
tudo em dia. Nos últimos tempos, sobrara até um dinheirinho
a mais para a diversão do casal. Este Brasil novo, um pouco
menos injusto, aparecia aos olhos do mundo. Será que em outubro,
na eleição presidencial, depois da Copa do Mundo,
Alberto e Maria pensarão em como manter as roupas dos foliões
para o próximo carnaval? |
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